Orientações e Referências



Cara professora/professor

                            Esse site surgiu da minha dissertação de Mestrado Profissional em Ensino de História. Augusto, Francisco de Quadros, Manoel Luis Leal e Antonio da Costa Peixoto, os personagens desta história, inspiraram o trabalho e a minha atuação em sala de aula.

             Aspiro com ele, contribuir para superar a perspectiva de uma abordagem no ensino de História na qual as populações de origem africana são estudadas apenas em contextos escravistas e reduzidas à imagem do escravo. O que buscamos evidenciar com esse trabalho é o dever de apresentar esses sujeitos aos estudantes como indiví­duos plurais, que possuíam família, aspirações, choravam, riam, ressignificavam suas práticas e reconstruíram suas vidas na Diáspora.

 

O trabalho com narrativas a partir de trajetórias no ensino de história

            Quando trabalhamos os mais variados conteúdos históricos com os alunos, geralmente os abordamos no coletivo ou a partir de acontecimentos, sem nomearmos os sujeitos que dele fizeram parte. A produção de narrativas a partir de trajetórias, nesse sentido, pode contribuir para trabalhar no ensino de história o passado como um universo de experiências possíveis, não somente fatos e datas. Nomear os sujeitos significa reconhecer sua agência na história, retirando-os assim da invisibilidade.

            Dessa forma, a proposta do site é abordar o cotidiano destes quatro sujeitos, a partir da investigação e pesquisa histórica em documentos da época, mapas e pinturas que relacionados constroem narrativas.

 

Proposta de trabalho

           Para cada ponto de navegação presente na página inicial, Augusto vai ao encontro de outro personagem: Francisco, Manoel, Antonio ou o Porto de Desterro. Ao clicar nesses pontos, o usuário irá se deparar com uma introdução da proposta didática. Se quiser avançar por esse caminho, há uma indicação para descobrir mais sobre o seu cotidiano no botão Leia Mais.

           A página que se abrirá em seguida, contém um desenho do respectivo personagem e uma sequência em etapas de análise e investigação de diversos tipos de documentos para que o estudante descubra o significado de determinado conceito e construa uma narrativa verossímil para a sua trajetória. Com cada personagem, a aluna ou aluno será instigado a refletir sobre um conceito importante para o estudo do tema geral Africanos na Diáspora. De um tema global, com o estudo de conceitos de segunda ordem, passamos para a pesquisa de uma temática local, a partir do cotidiano específico de sujeitos que viviam em uma ilha no sul do Brasil em meados do século XIX.

            Em nenhuma etapa o estudante encontrará o significado literal dos conceitos como abordado acima. Se o objetivo da proposta é que ele mesmo construa conhecimento histórico a partir do estudo de uma trajetória, o necessário é que ele encontre ferramentas e subsídios para chegar a uma conclusão. Para isso, professora ou professor, o seu papel como mediador é fundamental.

          Além de trechos dos documentos escritos referentes aos nossos personagens, propomos também a comparação e análise de pinturas e gravuras do período. Esse é um dos momentos em que o professor ou professora pode entrar em cena: discutir com alunos e alunas que estas imagens não representam verdades absolutas, mas representações de sujeitos e espaços a partir do olhar do outro, um ponto de vista sobre a realidade

          Assim, cara professora ou professor, a temática abordada por este site apresenta algumas possibilidades de atividades de ensino para a investigação deum passado no qual africanos foram os agentes de suas histórias. Aqui, elencamos alguns conceitos e categorias a serem trabalhados. Tenho certeza de que com o seu estudo sobre o tema, em suas aulas surgirão outras possibilidades e estratégias de ensino.

 

Conceitos importantes para trabalhar o tema em sala de aula

 Diáspora. Nos dicionários, essa palavra tem o significado de um deslocamento espacial de determinado povo, geralmente forçado, devido às hostilidades ou preconceito sofridos no seu local de origem. Mas para compreendermos a experiência de africanos e africanas na Diáspora, é preciso ir além: corresponde não só a um movimento territorial, mas também uma transformação cultural, como afirma o sociólogo Stuart Hall (2003).

          O que queremos dizer com isso? O movimento diaspórico traz para esses sujeitos modificações dos seus modos de ser, pensar e viver. Eles ainda possuem práticas e costumes do seu local de origem, mas os ressignificam dependendo do espaço onde se encontram depois do deslocamento.

Identidade. A forma como nos denominamos e aos outros. Pode se relacionar com características físicas e/ou psicológicas. Na Diáspora, os processos de identificação se tornam plurais e múltiplos. Esse é um processo constante de transformação e reconhecimento da diferença que um sujeito carrega em relação ao outro, explica Stuart Hall (2000).

         Augusto é identificado na documentação como Africano, preto, de nação. Ao abordarmos as diferentes identificações de sujeitos, precisamos ter em mente que, por um lado, tais nomenclaturas foram denominadas a partir de práticas discursivas compartilhadas por outrem; e por outro, que Augusto, Manoel, Antonio e Francisco deram novos significados à elas por meio de um processo de subjetivação (HALL, 2000).

AFRICANO é um conceito moderno, construí­do para se referir a uma imensa variedade de povos do continente africano e aqueles que foram levados pelo tráfico para outros espaços geográficos. É, portanto, uma categoria genérica muito utilizada no século XIX para se referir a estes sujeitos. (MORTARI, 2007)

NAÇÃO, que muitas vezes acompanha a categoria africano, pode se referir a portos de embarque, regiões de procedência ou até uma identificação dada pelos traficantes, de acordo com semelhanças fí­sicas e/ou culturais atribuí­das a sujeitos escravizados.(MORTARI, 2007)

PRETO implica em uma identificação social hierarquizante para nossos personagens, nos quais origem e condição jurídica estão interligadas. A cor preta geralmente correspondia à condição de escravizado ou liberto. No entanto, é possível que remetesse à procedência dos sujeitos no caso específico de africanos ou africanas.(MORTARI, 2007)

Escravizado. Para nos referirmos aos sujeitos desse site, escolhemos usar esse termo. Descarta-se o uso da palavra escravo, que reduz assuas experiências à escravidão. Nossos personagens se encontraram em algum momento de suas vidas na condição de escravizados, contra sua própria vontade. Eram pessoas, compostas por culturas plurais, que agiam, viviam e estavam no mundo, fazendo escolhas no âmbito do que era possível. 

       Como você deve ter notado as palavras escravizado ou liberto/livre também se constituem como identidades atribuídas a Augusto, Francisco, Antonio e Manoel. A documentação evidencia que Francisco, Antonio e Manoel, ao falecerem, já eram homens libertos; ao passo que Augusto era livre.

       No século XIX, para africanos, africanas ou afrodescendentes a liberdade poderia significar práticas ou costumes os quais eles teriam acesso somente na condição de liberto ou livre.

         O termo livre atribuí­do a Augusto na documentação apresenta uma peculiaridade diferente do termo liberto. Tal categoria foi criada no início do século XIX por convenções internacionais designadas para abolir o tráfico atlântico. Eram considerados africanos e africanas livres todos aqueles homens e mulheres vindos da Costa da África em navios que fossem capturados e condenados por tráfico ilegal. Mesmo livres da escravidão, estes sujeitos deveriam ficar sob custódia do governo por um período de tempo. Esse é o caso de Augusto. O termo liberto, por outro lado, significa que em algum momento de suas trajetórias, Antonio, Francisco e Manoel provavelmente alcançaram sua liberdade comprando-a de seus senhores, por meio da carta de alforria. 

Experiência. Conjunto de práticas e vivências que dão significado ao modo de ser, pensar e viver de um sujeito. Em outras palavras, são as experiências que nos fazem ser quem somos. É uma categoria de investigação histórica, pois analisar as práticas cotidianas, os costumes, comportamentos, valores e conflitos de um sujeito, nos permite traçar sua trajetória e agência na história. (THOMPSON, 1981) 

       Eram muitas as experiências destes quatro homens na cidade de Desterro. Experiência é o conceito abordado na trajetória de Manoel. Parte da experiência de nossos sujeitos surge a partir dos vínculos de solidariedade que os mesmos construí­ram na Diáspora (MORTARI, 2007). O caso de Francisco é representativo deste fator. 

         Com esse conceito, é possí­vel apreendermos as redes de relações pessoais que instituí­am para melhor viver naquele contexto. Os vínculos de solidariedade permitem evidenciar negociações, estratégias, a construção de famílias ou comunidades na Diáspora.

Vínculos de Solidariedade horizontais: quando estabelecidos entre pessoas da mesma condição jurídica (livres, libertos ou escravizados).

Ví­nculos de Solidariedade verticais: quando estabelecidos entre aqueles de diferentes condições e origem.

Os sujeitos dessa história

        Para além das propostas didáticas presentes no site, os próprios personagens, a rede pela qual estão conectados e as imagens podem ser utilizadas pelo professor como forma de investigação ou problematização. Augusto, Francisco, Manoel e Antonio foram desenhados de acordo com o que a documentação nos deixou de pistas acerca deles.

        Suas vestes estão arroladas nos autos de arrecadação de bens ou inventário, sendo que, em suamaioria, inclusive as cores de cada uma são apontadas. Os objetos que acompanham Augusto (o banquinho) e Manoel (violão e a imagem de Nossa Senhora),são destacados nos documentos e tem relação com suas experiências. A partir deles, podemos imaginar inúmeras possibilidades para seus usos, para além das relatadas nas fontes e abordadas no segundo capítulo.

        A professora ou o professor poderá instigar alunas e alunos a perceber de forma mais atenta os detalhes. As marcas que Augusto traz no rosto, que segundo a documentação se referiam ao seu local de procedência. A maneira como seus corpos e posturas estão representados, que se relacionam aos seus ofícios ou trabalhos realizados na cidade de Desterro. Para Antonio, especificamente, as marcas do tempo em seu rosto, pelo fato de já ter alcançado certa idade.

         A comparação entre as vestes dos diferentes personagens também se configura como uma atividade de análise: quais espaços cada um destes homens ocupava naquele território e como esse fator pode ser evidenciado pelas roupas que possuíam.

       A aquarela que se tornou plano de fundo do site representa a cidade de Nossa Senhora do Desterro, espaço no qual nossos personagens viviam, de autoria de Jean-Baptiste Debret, datada de 1827. Ela própria também pode ser objeto de análise: o que mais se destaca na obra? Que estruturas são possíveis de identificar e qual sua relevância para o contexto em estudo? As atividades presentes nos pontos de navegação dos personagens, em alguns momentos, propõem ao estudante fazer esta leitura.

       Além de trechos dos documentos escritos referentes aos nossos personagens, propomos também a comparação e análise de pinturas e gravuras do período. Este é um dos momentos em que o professor ou professora pode entrar em cena: discutir com alunos e alunas que estas imagens não representam verdades absolutas. Mas são representações de sujeitos e espaços a partir do olhar do outro, um ponto de vista sobre a realidade. É provável que o pintor trouxe à tela aquelas características e fatores que considerou mais interessantes. Ainda assim, os indícios destes documentos nos permitem traçar vivências ou aspectos de visão de mundo de determinado sujeito ou sociedade. Para isto, é necessário um olhar atento, como um detetive que busca pistas do passado.


Sugestões de leitura:

 Trabalhos acadêmicos

 Fios que tecem as tramas de vidas em diáspora: fragmentos das trajetórias de Ritta Pires, Joaquim Venâncio e outros sujeitos de origem africana na Ilha de Santa Catarina(1815-1867). Gabrielli Debortoli.  Disponó­vel aqui.

 Cores e olhares no Brasil Oitocentista: os tipos de negros de Rugendas e Debret. Iohana B. Freitas. Disponí­vel aqui.

 Os africanos de uma vila portuária do sul do Brasil: criando ví­nculos parentais e reinventando identidades. Claudia Mortari. Disponí­vel aqui.

Do Mar ao Morro: a geografia histórica da pobreza urbana em Florianópolis. André Luiz Santos. Disponível aqui.

 Trabalhos, moradias e devoções: vivências de populações de origem africana em Florianópolis na virada do século XIX para o XX. Karla Leandro Rascke. Disponí­vel aqui.

 

 Livros

Da Diáspora: Identidade e Mediações Culturais. Stuart Hall. Disponível aqui.

 Estudos Africanos: questões e perspectivas. Fábio Feltrin e Claudia Mortari. Disponível aqui.

 Imagens da África. Alberto da Costa e Silva. Disponí­vel aqui.

 Quem precisa da identidade? Stuart Hall. Disponí­vel aqui.

Histórias africanas e afro-brasileiras: ensino, questões e perspectivas. Fábio Feltrin e Claudia Mortari. Disponí­vel aqui.

Superando o racismo na escola. Kabengele Munanga. Disponível aqui.

 

 Materiais Didáticos

 História e Cultura Africana e Afro-Brasileira: Guia para os professores. Carina Santiago Santos. Disponível aqui.

 Vozes, corpos e saberes do Maciço: memórias e histórias de vida das populações de origem africana em territórios do Maciço do Morro da Cruz/Florianópolis. Karla Andrezza Viera Vargas. Disponível aqui.

 

Sites relacionados para pesquisa e atividades em sala de aula

 Aya Laboratório de Estudos pós-coloniais e decoloniais

 Detetives do Passado

 História em Linguagens

 A Cor da Cultura