O Cotidiano de Augusto
Você sabia que para escrever a história, historiadores fazem análise de documento?
Eles reúnem textos do período que estão estudando e a partir deles fazem interpretações do passado. Esta será a sua tarefa: desvendar as pistas da documentação e criar uma narrativa para contar a história de Augusto. Para isto, siga as etapas abaixo. Quando tiver reunido todas as pistas possíveis, é hora de criar sua narrativa!
Augusto foi um africano que viveu na cidade de Nossa Senhora do Desterro, que hoje é chamada de Florianópolis/SC, na metade do século XIX. Assim como outros homens e mulheres vindos da Costa da África, Augusto tinha várias identidades.
Primeira Etapa
Com quem Augusto morava e onde vivia em Nossa Senhora do Desterro? O documento abaixo, escrito no dia 26 de junho de 1861 nos dá esta informação. Será que você consegue ler este inventário do século XIX?
Fonte: Reprodução do Inventário de Augusto, Africano Livre, 1861, Desterro, Capital da Província de Santa Catarina, fls. 3
Augusto morava na Rua da Palma, junto com mais 5 homens: Roque, Gregório, Francisco, Joaquim e João. Na Rua do Príncipe, ele alugou um espaço junto com mais dois de seus companheiros para descansar nos dias de trabalho.
Identifique no mapa do Bairro da Figueira os locais por onde provavelmente Augusto circulava no seu dia a dia pela cidade:
Fonte: CARDOSO, Paulino de Jesus Francisco. Negros em Desterro: Experiências de populações de origem africana em Florianópolis na segunda metade do século XIX. Itajai: UDESC; Casa Aberta, 2008, p. 68.
Segunda Etapa
Augusto era visto de maneiras diferentes dependendo de quem o descrevia. Podemos dizer que ele tinha várias identidades. Os documentos nos quais seu nome aparece nos indicam algumas delas. Mas, com um olhar de detetive, é possível seguirmos os rastros do que está escrito e descobrir ainda mais.
Sua tarefa agora será ler os depoimentos do inventário de Augusto e descobrir algumas de suas identidades.
Depoimento de Joaquim, preto liberto que morava com Augusto:
ue elle com o preto Africano Augusto e mais quatro companheiros tinham alugado para pagarem juntos uma loja de casa, em cujo pagamento cabia quatro patacas e seis vinténs a cada um mensalmente. Perguntado sobre a idade e naturalidade, estado e filiação do falecido disse que pelas marcas e língua sabe que era preto Mina.
Fonte: Inventário de Augusto, Africano Livre, 1861, Desterro, Capital da Província de Santa Catarina, fls. 13 verso.
O que são patacas e vinténs? Descubra neste dicionário: https://www.priberam.pt/dlpo/
O escrivão Vidal Pedro Moraes assim se refere a Augusto na documentação:
A arrecadação no dinheiro e baú com roupa que se encontrou pertencente ao preto Augusto Africano livre que morrera afogado no mar no dia 25.
Fonte: Inventário de Augusto, Africano Livre, 1861, Desterro, Capital da Província de Santa Catarina, fls. 2
Como você deve ter notado, no século XIX geralmente a condição jurídica acompanhava o nome de alguns sujeitos, especificando se eram livres, libertos ou escravizados.
O Coronel Manoel José de Espindula, que disse ser amo de Augusto, assim o descreveu:
Que o preto Augusto estava em sua direção e debaixo de seu governo, mas que morava e assistia fora, e que de noite vinha dormir em sua casa.
Fonte: Inventário de Augusto, Africano Livre, 1861, Desterro, Capital da Província de Santa Catarina, fls. 8 verso.
Você sabia? Naquele período também era comum se referir a homens e mulheres provenientes do Continente africano como pretos.
O negociante Maximiano José de Magalhães de Sousa, para quem Augusto trabalhava, afirmou:
Disse que o preto era tão diligente e dedicado ao trabalho e econômico que não perdia tempo trabalhando sempre e de tudo fazendo dinheiro, sendo que em despesa quase nenhuma gastava pois além dele respondente dou-lhe comida e vestir como geralmente é sabido, ocorre que suprimentos iguais sabia ele pelas suas boas maneiras e qualidades dos comandantes dos navios que trabalhava, e que a sua economia era tal que muitas vezes até para comprar cigarro ele pedia dinheiro emprestado.
Fonte: Inventário de Augusto, Africano Livre, 1861, Desterro, Capital da Província de Santa Catarina, fls. 12
possível imaginar um dia da vida de Augusto a partir destes depoimentos?
Crie uma lista de suas possíveis identidades e o que elas significam.
Terceira Etapa
Joaquim, colega de Augusto, afirmou que nosso personagem possuía marcas e línguas que o diferenciavam como um preto Mina.
O termo Mina provavelmente se refere à Costa da Mina, região correspondente à África Ocidental. Confira no mapa a localização. Para ser mais interessante, você também pode buscar mais informações sobre esta região na África.
Mapa da Costa da Guiné, século XVII
Fonte: CENTRO DE ESTUDOS AFRO-ORIENTAIS/UFBA. Práticas religiosas na Costa da Mina. Disponível em: <http://www.costadamina.ufba.br/index.php?/conteudo/exibir/11> . Acesso em 09 jul. 2018.
A quais marcas Joaquim se referia? O pintor Jean-Baptiste Debret, quando esteve no Brasil, fez vários registros de marcas e escarificações de africanos, africanas e seus descendentes que moravam no Rio de Janeiro. Identifique na gravura abaixo o que ele conseguiu observar.
Negros de diferentes nações, 1835. De Jean-Baptiste Debret.
Fonte: BANDEIRA, Julio; LAGO, Pedro Corrêa. Debret e o Brasil: obra completa, 1816-1831. Rio de Janeiro: Editora Capivara, 2013. p. 585
Escarificação é uma prática cultural realizada por diferentes povos do continente africano. É uma incisão na pele, geralmente com algum instrumento afiado, para criar algum formato que carrega um significado. Analise o personagem ao lado. É possível identificar algo parecido? E atualmente, existe em nossa sociedade algo assim?
Quarta Etapa
Você deve ter notado que ao lado de nosso personagem há um banquinho. O que será que isto tem a ver com a sua trajetória?
Leia o trecho do documento abaixo:
e sendo ahi pelo preto Roque foi apresentado um banquinho com gaveta, dizendo pertencer ao preto Augusto Africano livre [... ]e procedendo se por ordem do dito Subdelegado a abertura da gaveta, se encontrou dentro da mesma gaveta, em ouro três moedas de 20$000r [20 mil réis], e uma de 10$000r [10 mil réis]; em prata trinta e três moedas de 1$000 [um mil réis], quarenta de 500 réis; em papel, duas notas de 10$000 rs [10 mil réis], onze de 5$000 rs [5 mil réis], dezessete de 2$000 rs [2 mil réis], e duzentos e seis de 1$000 rs; somando tudo em quatrocentos e trinta e oito mil réis.
Fonte: Inventário de Augusto, Africano Livre, 1861, Desterro, Capital da Província de Santa Catarina, fls. 3
Nosso personagem guardava neste banquinho uma pequena fortuna. Naquele tempo, era difícil para africanos e africanas guardarem tamanha quantia consigo. Releia os depoimentos da Primeira Etapa. Será que você consegue identificar com o que Augusto trabalhava e como conseguiu economizar este dinheiro? Você também poderá imaginar o que ele gostaria de fazer com esta quantia.
Agora você já tem algumas pistas sobre a trajetória de Augusto. Está pronto para criar uma narrativa que conte sua história!